domingo, 15 de fevereiro de 2015


AS MARCHINHAS CARNAVALESCAS E AS MUNDAÇAS NA SOCIEDADE CEARENSE NOS ANOS 40 A PARTIR DAS INFLUÊNCIAS DA CULTURA NORTE-AMERICANA.

 

Os nostálgicos carnavais de Fortaleza dos anos 30, 40 e 50, ficaram apenas nas lembranças dos mais velhos e nas amareladas folhas de partituras das músicas que tocavam naquele período. Alguns desses brincantes saudosos ainda recordam das marchinhas carnavalescas que davam o ritmo da folia. No entanto, essa música aparentemente ingênua e feita com o intuito de entreter, expressa muito sobre a sociedade cearense daquela época.  

Nos velhos carnavais de Fortaleza, compositores e poetas uniam-se na criação das marchinhas que davam o tom a festa. Lauro Maia foi o compositor cearense mais conhecido por ter os seus sucessos tocados por grupos famosos como Os Vocalistas Tropicais e o Quatro Azes e um Coringa, mas o maestro Silva Novo, Pierre Luz, Donizetti Gondim, Edigar de Alencar, Waldemar Gomes e Luiz Assunção, também foram responsáveis pela elaboração de grandes sucessos carnavalescos.

O que chama a atenção nessas marchinhas carnavalescas é a tentativa de junção das influências norte-americanas através do uso do fox-trot e de algumas letras em inglês, com o jeito “Ceará Moleque”, incorporando um estilo sátiro e jocoso que tomou forma com boêmios ilustres, como Ramos Cotôco e Quintino Cunha. Uma das marchinhas mais emblemáticas foi criada pelo Maestro Silva Novo e Pierre Luz. A gargalhada era o símbolo da libertação feminina dos costumes impostos por uma sociedade que ainda almejava “civilizar” os demais a partir das influências culturais francesas.

A gargalhada

Viva a folia/Ave alegria/Salve o prazer/Que nos vem da gargalhada/Ou de um sorriso de mulher!/Cante... Dance.../Mulher faceira/A existência é passageira/Haja aventura/Riso e loucura!/No carnaval/Afoguemos nossas mágoas/E esqueçam todo o sal/Cante... Dance.../A colombina/Meiga e danadinha/Traz o poema/De teus olhos sonhadores/Alegria do “Iracema”/Cante... Dance.../Toda cearense/Domina e vence/Pelo sorriso/Que nos traz ao pensamento/Evocações do paraíso!

O interesse pela cultura norte-americana nasce nos cearenses após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando “Fortaleza trocou o chapéu emplumado pela cartola de Tio Sam”. Os Estados Unidos lançaram no mercado bens de consumo mais práticos, como as canetas esferográficas; e mais ousados, como as meias de nylon que deixavam as pernas das moças à mostra. Essa tendência fez emergir uma cultura cada vez menos conservadora, que exibia todo o seu charme em épocas de carnaval, tendo a figura das “Coca-colas” como grandes representantes.

O cordão das “Coca-colas” foi criado por um grupo de sargentos da Aeronáutica, como uma brincadeira em cima das moças que namoravam os soldados americanos. Essas mulheres eram criticadas por famílias conservadoras por não aceitarem certas imposições sociais. Rotuladas na época como “mulheres fáceis”, hoje são símbolos do processo que ocorreu da igualdade entre os gêneros.  

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

BIRDMAN - A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA

BIRDMAN: O CULTO À IMAGEM EM DETRIMETO DO CONTEÚDO.
 

 

Birdman não é um filme fácil, podendo desagradar até mesmo experientes apreciadores da sétima arte. Tive que assistir duas vezes para filtrar a essência da narrativa de Iñárritu, pois é comum nesse tipo de trama confundir os diálogos dos personagens sobre solidão, facebook e decadência, com a história que o diretor quer extrair deles.

Na primeira vez que assisti o filme, achei o roteiro bastante sacal e datado, apesar de ter percebido a excelência técnica da obra. A montagem de Birdman passou por um crivo em sua estrutura, a sequência de planos deu a sensação da inexistência de corte, a fotografia é criativa e sombria como toda a visão escatológica de mundo de Iñarritu e a trilha sonora trouxe aspectos inovadores, com solos de bateria que causam angustia e ansiedade no expectador.

Mas o que me fez assistir Birdman novamente foi a inquietação que ele me causou por uma semana. Isso não é muito comum de acontecer comigo, pois as vezes vou dormir e logo pela manhã do dia seguinte o filme já saiu da minha cabeça.

Na segunda experiência que tive com o longa, pude perceber que Birdman não trata apenas da vida de um ator falido que tenta sair da sombra do personagem de super-herói que o imortalizou na cultura pop americana na década de 90, o roteiro também discorre sobre os dilemas da arte e do homem no século XXI. Um dos diálogos que sintetiza essa questão é o de Riggan, com umas das maiores críticas de Nova York. Ela comenta que vai acabar com qualquer tentativa de retorno do ator por simplesmente odiar o que ele representa. Na visão da crítica nova-iorquina, Riggan precisava entender a diferença de uma celebridade para um verdadeiro ator.

No final ela acaba se surpreendendo com o resultado da peça e publica uma crítica sobre a inesperada virtude da ignorância. No entanto, tudo o que ela falou na cena do bar para Riggan faz sentido. Qual o lugar da arte na era das redes sociais? Que impacto a imagem produz no expectador ao ponto do conteúdo não ter mais tanta importância como anteriormente? Como chegar em um equilíbrio na relação do discurso e da imagem?



Apenas criticar os jovens pela sua relação quase mística com as redes sociais não vai trazer um resultado positivo para essa discussão. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, trata sobre a questão da supervalorização da imagem na pós-modernidade, mas infelizmente não encontramos muitos outros teóricos que dissertam sobre o desespero do homem pós-moderno por curtidas no twitter, por um número cada vez maior de amizades no facebook que se limita ao espaço virtual e por tratar o youtube como uma experiência megalomaníaca de exposição da vida.

Em um dos diálogos de Sam com o pai, a garota que acabou de sair da reabilitação e anseia por atenção familiar, discute com o seu pai sobre as contradições do "eterno homem-pássaro", que deseja a exposição e o reconhecimento dos jovens, mas ao mesmo tempo se acha superior por desprezar a forma como os mesmos lidam com a arte no século XXI.

Mas será que essa forma de arte que valoriza o apelo da imagem é tão nova assim? Esse burburinho em torno de filmes comercias que contam histórias repetidas sobre super-heróis é muito antigo. Os filmes do gênero em questão vão apenas reciclando os atores e a abordagem de acordo com o passar das gerações. Não é à toa que o próprio Michael Keaton foi escolhido a dedo por ter interpretado o Batman em uma franquia dos anos 90.

Dessa forma, não espere ser fisgado pelo filme a partir dos seus diálogos, pois eles são intencionalmente vazios e datados na tentativa de mostrar a decadência do cinema hollywoodiano por conta da falência da indústria. Por trás de todo o glamour do tapete vermelho, escondem-se atores megalomaníacos embriagados pela fama, transformados em seus personagens favoritos para sobreviverem ao tédio do cotidiano. Dificilmente fazem uma leitura mais aprofundada de um grande clássico, pois estão muito ocupados tratando das rugas no cirurgião plástico.
 

domingo, 18 de janeiro de 2015

O SILÊNCIO SOBRE OS ATAQUES COMETIDOS POR RADICAIS ISLÂMICOS NA NIGÉRIA.
 
Enquanto os jornais noticiam diariamente novas informações sobre os atentados contra os chargistas que trabalhavam na revista Charlie Hebdo, na Nigéria os ataques cometidos por radicais islâmicos já somam aproximadamente 2 mil mortos.
 
A Nigéria é uma república constitucional federal, formada por 36 estados e o território da capital federal, Abuja. A população de aproximadamente 174 milhões de pessoas, é dividida em diferentes grupos étnicos. 50% dessa população é adepta ao islamismo. A religião islâmica chegou na Nigéria ainda no século IX e espalhou-se para as grandes cidades no século XVI.
 
Esses ataques terroristas na Nigéria foram atribuídos ao grupo Boko Haram, organização fundamentalista islâmica que busca a imposição da lei Sharia, combatendo a corrupção do governo, a falta de pudor das mulheres, a prostituição e outros vícios.
 
 
Símbolo do grupo Boko Haram, que significa obedecer a lei através da força.
 
Atualmente o Boko Haram apoia outros grupos terroristas como o Estado Islâmico e a Al-Qaeda. As três organizações culpam os cristãos por conta da influência cultural que o ocidente exerce no cotidiano de suas mulheres e crianças. No entanto, o grupo Boko Haram propaga o medo e o terror na população nigeriana como forma de resistência à entrada da cultura ocidental. 

Em menos de cinco dias os radicais do Boko Haram mataram mais de 2 mil pessoas em aldeias nigerianas. Em um ano o grupo foi responsável por mail de 10 mil mortes. Mulheres, crianças e idosos foram as maiorias vítimas desses atentados. Ao redor da aldeia de Chibok mais de 200 mulheres foram raptadas. Em vilarejos o número de crianças órfãs ainda não foi informado. 

Nos últimos dias os radicais incendiaram povoados, enquanto atiravam indiscriminadamente. Um dos sobreviventes comentou que corpos também queimavam no meio da rua. No entanto, o caso mais absurdo foi o da utilização de uma "menina-bomba" em um atentado que matou 20 pessoas na cidade de Maiduguri.

A pergunta que não quer calar: Por qual motivo as mulheres são o alvo principal de grupos extremistas islâmicos? As mulheres trariam consigo um "mal" que corromperia a alma do homem e por esse motivo elas precisariam ser castigadas?

É notável que nas obras que são os alicerces das três principais religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo), as mulheres são representadas de duas formas: As que trouxeram a corrupção para o homem através da luxúria e da descrença; e as que simbolizam o ideal de pureza, que inspiram à maternidade, submissão ao marido e em alguns casos à ausência de interesse pelo conhecimento filosófico. 

Alguns pesquisadores apontam que a submissão feminina não ocorre apenas por conta da herança religiosa, mas parte também da cultura patriarcal. Mas a tradição patriarcalista não é a marca dos próprios escritos que fundamentam filosoficamente essas três religiões?

Não quero aqui polemizar e desrespeitar o credo de ninguém, mas é de extrema importância buscar um diálogo que possa romper aos poucos com esse tipo de tratamento dado às mulheres. Em alguns locais a mulher é proibida de estudar e de frequentar escolas ou universidades.

Apesar das mulheres serem as principais vítimas nessas ofensivas, outras práticas culturais estão sendo fortemente reprimidas. Em uma das aldeias nigerianas o grupo Boko Haram proibiu terminantemente a reunião das pessoas para assistirem jogos de futebol.

A liberdade tornou-se a expressão mais comentada nesses últimos anos. Apesar de alguns deturparem o seu uso, ela deve ser um tema exaustivamente debatido, pois nenhum credo pode impedir a liberdade das pessoas de ir e vir; e de fazer as suas próprias escolhas. Sem dúvida o estado também é culpado pelo crescimento repentino desses grupos extremistas, pois quando ocorre a ausência do poder que emana dele, a própria população trata de criar micro-poderes na tentativa de suprir essa carência.  


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

GLOBALIZAÇÃO E CHOQUE CULTURAL - O CASO DOS ATENTADOS AO JORNAL CHARLIE HEBDO.




O atentado aos cartunistas da Revista Charlie Hebdo me deixou deprimida. Mas ao invés de tomar o caminho mais fácil e transformá-los rapidamente em heróis da liberdade de expressão, tentei ir mais a fundo no problema e passei a fazer leituras de artigos que contavam a situação da comunidade mulçumana no país antes dos atentados.

Um artigo me chamou a atenção logo pelo título: "Je ne suis pas Charlie". Fiquei curiosa em saber quais os argumentos utilizados por Plínio Zúnica para fazer oposição aos outros veículos midiáticos e encontrei excelentes explicações que até então não tinha visto. 

Zúnica comenta que muitos mulçumanos que vivem em Paris são contra os grupos extremistas, mas a comunidade é tratada pelos franceses como se todos fossem terroristas. Muitos não conseguem empregos por terem sobrenome de origem árabe, outros apontam que cafés e ambientes públicos rapidamente esvaziam-se após a chegada de mulçumanos trajando túnicas e turbantes.

Na minha vida acadêmica no curso de história, optei pelo viés dos estudos culturalistas e por conta disso fiz leituras que me ajudaram a encarar problemas tão delicados como esse. Um teórico francês chamado Michel de Certeau, publicou no ano de 1980 uma das suas principais obras, intitulada: A invenção do cotidiano. Nesse livro, Certeau inicia falando da mudança de campo da sua pesquisa, agora direcionando suas atenções para o Brasil. (Mas por qual motivo falar do Brasil nessa discussão? Calma...) Esse estudo acontece inicialmente no nordeste, abordando em princípio as questões das disparidades sociais, da ausência do poder do Estado de forma efetiva. O autor destrincha e denuncia o coronelismo, a vida com privações tanto culturais como econômicas do povo sertanejo e vê a expressão da cultura religiosa como válvula de escape para o sofrimento.

Para Certeau, o sertanejo possui um jeito próprio para fugir da opressão. Eles acreditam que existem seres que podem ampará-los em sua realidade miserável, um exemplo disso é a crença forte e milagrosa em Frei Damião. Devido a um estado miserável de vida, não mais reconhecem o poder legítimo do governo estatal. As referências milagrosas agem no imaginário popular e tomam um lugar que deveria ser ocupado pelas ações do governo, principalmente no que se refere a ações ante um flagelo sertanejo. A religião aparece como um instrumento de fuga e obediência.

Os países do Oriente Médio sofreram com o imperialismo europeu. O próprio termo Oriente Médio foi cunhado pelos britânicos para designar uma região que ficava entre o Mar Mediterrâneo e as fronteiras da Índia, então colônia inglesa. Nessa região coexistem as três maiores religiões monoteístas (O Islã, O Judaísmo e o Catolicismo), praticadas por aproximadamente 230 milhões de fiéis. A exploração que ocorreu nesse território pode ter ajudado a fomentar ainda mais a crença exacerbada em um ser superior que ajudasse o homem a aplacar todo o seu sofrimento terreno.

Diferente da reação de resiliência das comunidades católicas localizadas no nordeste do Brasil, esses grupos de mulçumanos que optaram pelo viés extremista da fé, interpretaram no Alcorão uma intervenção de Alá mais direta a partir da Jihad. Dessa forma, ao invés de direcionarem todas as suas frustrações para as orações diárias, esses grupos extremistas organizaram uma verdadeira guerra santa destinada ao ocidente, sobretudo aos países que exerceram dominação mental ao mundo islâmico. 

Sem dúvida interpreto essa reação de grupos como o Estado Islâmico, como desproporcional. A dádiva da vida nos é dada apenas uma vez e ninguém pode ter o direito de romper esse fio que nos anima. Além dos ataques ao jornal Charlie Hebdo, os judeus também acabaram virando alvo por conta da rixa histórica existente no conflito entre Israel e Palestina.

E como fica a questão da liberdade de expressão?

O fato é que nem franceses e nem grupos mulçumanos extremistas estão com a razão. O jornal Charlie Hebdo foi desrespeitoso com a fé dos mulçumanos, utilizando-se de uma crítica ácida ao representante máximo da religião islâmica e não à interpretação errônea de homens sobre os escritos do profeta. Por outro lado não podemos fechar os olhos para a profunda dominação que os líderes religiosos exercem. As mulheres são o alvo maior dessa cultura, que as limitam em vários aspectos do cotidiano (estudos, vestimentas, sexo).




Como historiadora, odeio fazer previsões, mas fica claro que na França ocorrerá um aumento do discurso xenofóbico, do crescimento dos partidos de extrema direita e fechamento do país para a entrada de estrangeiros. Os grupos terroristas também não darão trégua e dificilmente alguns atentados serão impedidos pelo serviço de inteligência dos países europeus.

O mundo cada vez mais globalizado resulta num contato maior entre as diferentes culturas e a possibilidade é inerente de ocorrer um estranhamento entre formas de viver tão diversas. A mídia só atrapalha nesse sentido ao dar mais crédito à notícias como o atentado ao jornal Charlie Hebdo e ignorar os 2 mil mortos no atentado que ocorreu na Nigéria no mesmo período também envolvendo radicais islâmicos.

As mudanças mentais na forma como os mulçumanos concebem a sua religião, devem ocorrer de dentro para fora e não de maneira inversa. A História nos mostra que toda a tentativa que ocorreu de modificação brusca da cultura do outro, resultou em guerras e ascensão de regimes autoritários. 

Dessa forma, ao invés de utilizarmos a caneta como uma arma de preconceitos culturais, como ocorreu com os chargistas da revista Charlie Hebdo, no caso da religião mulçumana e de outros casos envolvendo racismo, devemos usá-la para repensarmos os limites da liberdade de expressão.








 

quarta-feira, 23 de julho de 2014

MORRE UM POUCO DO NORDESTE COM ARIANO SUASSUNA



Morre aos 87 anos de idade o escritor Ariano Suassuna e com ele vai um pouco da rica cultura nordestina e de todos que são filhos do árido chão sertanejo. Ariano foi um dos escritores brasileiros mais importantes, pois conseguiu reunir dois saberes diferentes: o erudito e o popular. 

Ariano Suassuna sempre foi um homem preocupado com a massificação cultural. Ele gostava do peculiar, do local e do inusitado. Foi por esse motivo que na década de 1970 o escritor criou o Movimento Armorial, que consistia na criação artística a partir da união de elementos da cultura popular local (xilogravura, bumba-meu-boi, maracatu, canto com rabeca, reisado), passada por meio da tradição oral, com o saber acadêmico.

Muitos artistas atraídos pelo resultado criativo das obras de Ariano, aderiram ao Movimento Armorial. No teatro, na música, na pintura, na dança e na literatura encontramos seguidores. Na música o movimento foi amplo e persiste até os nossos dias. O Quinteto Armorial é um dos principais representantes desse seguimento, mas encontramos também Banda de Pau e Corda e Quinteto Violado. 

Foi com suas obras cênicas que Ariano ganhou o Brasil e a Academia Brasileira de Letras. Os seus trabalhos mais conhecidos são O auto da Compadecida e A Pedra do Reino, adaptadas para a televisão. Uma mulher vestida de sol, Farsa da boa preguiça, O casamento suspeitoso e Almanaque Armorial são outros dos seus escritos. 


A sua obsessão em demarcar o território nordestino em sua arte foi tamanha que o escritor criou traços de uma xenofobia pela cultura estrangeira. Em partes o escritor tinha razão, já que o Brasil passou e ainda hoje passa por uma americanização extrema da cultura. No entanto, Ariano levou essa aversão até as últimas consequências, afirmando que não aceitaria subir no mesmo palco de Chico Science até que ele trocasse o seu nome artístico por Chico Ciência.  

Ariano era um artista por completo, pois os dilemas da vida e da morte também o levavam a escrever pequenas pérolas como uma estrofe que Chicó lamenta a morte de João Grilo no livro O Auto da Compadecida:  "Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre."







   




terça-feira, 22 de julho de 2014

WALTER BENJAMIN E A SUA RELAÇÃO COM A OBRA "EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO"

Em Busca do Tempo Perdido é uma coletânea de sete romances escritos pelo francês Marcel Proust, entre os anos de 1908 e 1922. O literato tinha a ambição de tentar apreender pela escrita a essência de uma realidade escondida no inconsciente. Um dos maiores leitores de Proust foi o crítico alemão Walter Benjamin. Em um dos seus escritos ele indaga-se: " Seria lícito dizer que todas a vidas, obras e ações importantes nada mais são que o desdobramento imperturbável da hora mais banal, mais sentimental e mais frágil, da vida do seu autor?". É o que parece sugerir esse que é um dos episódios principais do livro de Proust, narrado logo nas primeiras páginas de No caminho de Swann. 

Benjamin delibera que os sete volumes de Em busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, são o resultado de uma síntese impossível, na qual a absorção do místico, a arte do prosador, a verve do autor satírico, o saber do erudito e a concentração do monomaníaco se condessaram numa obra autobiográfica. Já se disse, com razão, que todas as grandes obras literárias ou inauguram um gênero ou o ultrapassam, isto é, constituem casos excepcionais. Mas, mesmo entre elas, esta é uma das menos classificáveis. A começar pela estrutura, que conjuga a poesia, a memorialística e o comentário, até a síntese, com suas frases torrenciais, tudo aquilo excede a norma. Que esse grande clássico da literatura constitua ao mesmo tempo a maior realização literária das últimas décadas é a primeira observação, muito instrutiva, que se impõe ao crítico. 

Para Walter Benjamin, a imagem de Proust é a mais alta expressão fisionômica que a crescente discrepância entre poesia e vida poderia assumir. Sabemos que Proust não descreveu em sua obra uma vida como de fato foi, e sim uma vida rememorada por quem a viveu. O principal para o autor que rememora, não é absolutamente o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração. O acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento rememorado é sem limites, pois é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois. 

O que procurava ele tão freneticamente? O que estava na base desse esforço interminável? Seria lícito dizer que todas as vidas, obras e ações importantes nda mais são que o desdobramento imperturbável da hora mais banal e mais efêmera, mais sentimental e mais frágil, da vida daquele a que pertencem? E quando Proust descreveu, numa passagem célebre, essa hora sumamente individual, ele o faz de tal maneira que cada um de nós a reencontra em sua própria existência. Pouco falta para que a pudéssemos chamar de quotidiano, Ela vem com a noite, com um arrulho perdido, ou com o suspiro à balaustrada de uma aberta. 

Nem sempre proclamamos em voz alta o que temos de mais importante a dizer. E, mesmo em voz baixa, não o confiamos sempre à pessoa mais familiar, mais próxima e mais disposta a ouvir a confidência. Se, portanto, não somente as pessoas, mas também as épocas, têm essa maneira inocente, ou antes astuciosa e frívola, de comunicar seu segredo mais íntimo aos primeiro desconhecido, então, no que diz respeito ao século XIX, não foi Zola, mas o jovem Proust, o esnobe sem importância, que ouviu de passagem do século envelhecido as mais admiráveis confidências, afirma Benjamin. Somente Proust fez do século XIX um século digno de memória. 

O prefácio do primeiro volume foi feito por Mario Quintana. Ele nos convida para a leitura da obra com a sua persuasão de poeta: "Num monótono final de tarde de inverno, voltando para casa sozinho, o herói, já adulto, aceita tomar, contra seus hábitos, uma xícara de chá com um pequeno bolinho. Dessa pequena xícara sairá toda uma parte de sua infância que estava aparentemente sepultada. E nós, leitores, podemos imaginar o crepúsculo de nossa existência, uma espécie de fim de tarde de nossas vida em que, voltando para casa um pouco desanimados com mais um dia que se passou e com a triste perspectiva do dia que ainda virá, aceitamos das mãos de um amigo um livro que ele insiste em nos indicar com inexplicável veemência: Em busca do tempo perdido". 

Volume I - No Caminho de Sawann



Volume II - À sombra das raparigas em flor


Volume III - O caminho de Guermantes 


Volume IV - Sodoma e Gomorra


Volume V - A prisioneira 


Volume VI - A fugitiva


Volume VII - O tempo reencontrado 


segunda-feira, 21 de julho de 2014

O CINEMA DE THOMAS VINTERBERG 





Thomas Vinterberg nasceu em 1969 na Dinamarca e em 1998 ficou conhecido como um dos cineastas mais importantes do seu país ao lançar o filme Festa de Família. O filme em questão deu início ao Dogma 95, movimento criado pelo próprio Vinterberg e o cineasta Lars Von Trier, que estabelecia algumas regras para a realização cinematográfica. 

Para fazer do filme um produto que não se rendia às regras da indústria cultural, o Dogma 95 criou as suas próprias exigências como a de filmar sem cortes indevidos, proibir o uso de música que não esteja no contexto da cena, usar a câmera na mãos, ausentar a iluminação direta e utilizar temas atuais e impactantes. 

Em Festa de Família todas essas restrições foram colocadas em prática e o resultado foi um produto de excelente qualidade, diferente de grande parte do que é produzido atualmente pela Indústria Hollywoodiana. A crítica à sociedade dinamarquesa fica evidente no decorrer do longa-metragem. A história trata sobre a vida de uma família de grandes posses, que após anos sem um encontro, reunirem-se novamente para comemoração do aniversário do patriarca. No entanto, naquele mesmo lugar, anos atrás, uma das filhas do aniversariante havia cometido suicídio, o que faz renascer nos outros filhos antigas e amargas lembranças. 


Num ambiente envolto ao caos, várias histórias são reveladas como, por exemplo, a descoberta das reais razões da garota ter cometido o suicídio e o vexame que o filho expôs os convidados quando anunciou ter sido molestado na infância. Quando tudo parece não ter condições de complicar mais, aparece no meio da festa um namorado negro de uma das filhas. A aparição em questão provoca o preconceito de grande parte da família e dos convidados que cantam uma música racista, evidenciando assim um problema ainda atual nos países nórdicos e boa parte da Europa. 


O filme é de fato uma contundente crítica aos valores familiares e toda a hipocrisia que rodeia essas reuniões entre parentes. Festa de Família causou polêmica em grandes festivais internacionais, deixando Vinterberg feliz em tirar o público da sua zona de conforto. 

Outro excelente longa do diretor é o filme Submarino. Na trama, Vinterberg tenta evidenciar por meio da história de dos irmãos, o mundo das drogas e os desajustes sociais. O filme estreou em 2010 e foi mais um grande sucesso da crítica, pois ele ainda continua com o seu jeito cru e realista de filmar. 


A Caça é o mais novo sucesso do diretor e traz o grande ator Mad Mikkelsen como protagonista. O filme conta a história de Lucas, um homem divorciado recentemente que tenta levar a sua vida em diante. Arruma um emprego numa creche e começa a namorar uma garota. No entanto, todo o seu sossego termina nas festas natalinas, quando a filha de cinco anos do seu melhor amigo e sua aluna na creche, o acusa de estupro. 



A falsa revelação acaba despertando o ódio da comunidade e Lucas acaba sendo desprezado por todos, mesmo depois  da menina revelar para os pais que inventou a história. O filme suscita uma problemática pouco vista em outros longas, que é o questionamento sobre a pureza das crianças. Junto com Festa de Família, A Caça revelou-se uma outra grande obra-prima produzida pelo diretor.