CRÍTICA DO ESPETÁCULO - É PROIBIDO PROIBIR
Hoje tive a oportunidade de assistir ao espetáculo É proibido proibir, do ator e dramaturgo Ricardo Guilherme. A peça faz uma retrospectiva dos 50 anos de ditadura militar no Brasil e chama o público para repensar o futuro do pais.
É proibido proibir é um título muito emblemático, tendo em vista que foi retirado de uma das músicas do cantor e compositor Caetano Veloso, que sofreu com as vaias do público ao cantá-la na final paulista do FIC. Revoltando com a atitude da platéia ele gritou: "Vocês não entendem nada!". De uma forma irônica e irreverente Ricardo Guilherme escolhe o título para fazer menção as contradições da classe média, que tem o poder para mudar o Brasil, mas mostra-se confusa, despreparada ou descompromissada.
Com o auxílio do multi-instrumentista Rami Freitas, o ator tece um monólogo acompanhado por imagens. Tudo começa no dia 31 de março de 1964, quando Castelo Branco com o apoio da CIA, arquiteta o plano de tirar Jango do poder com a desculpa de que o país estava sofrendo uma ameaça comunista. Nada mais conveniente, visto que os capitalistas norte-americanos preocupavam-se em manter o controle do Brasil, num momento em que o comunismo na União Soviética parecia expandir-se no mundo. No dia 01 desse mesmo ano é declarado o Golpe e Castelo Branco assume o poder. Enquanto Jango é exilado, boa parte da sociedade civil apoia o Golpe com a Marcha de Deus com a Família e comemora com uma chuva de papéis picados a Ditadura.
Castelo Branco já começa instaurando os quatro primeiros atos institucionais, fechando associações civis, proibindo greves, intervendo em sindicatos e cassando mandatos políticos. No seu discurso a ditadura deveria ser passageira, mas na prática tudo foi condicionando para que ela fosse duradoura.
Nesse primeiro momento boa parte da juventude não agradou-se com a situação, porém não mostrou nenhuma medida efetiva para mudá-la. A omissão de muitos inverteu a ordem natural da vida. Os pais começaram a enterrar os seus filhos com o endurecimento do regime no Governo Costa e Silva. A instauração do Ato Institucional nº 5 proibiu manifestações, a liberdade foi vigiada e a censura alcançou todos os setores de telecomunicações. Artistas como Caetano, Geraldo Vandré, Gil e Chico Buarque foram exilados e simpatizantes da esquerda foram presos e torturados. No entanto, boa parte da juventude estava mais interessada em fazer a revolução comprando um belo jeans ou pichando as ruas com mensagens de protesto.
O maio de 68 ocorrido em Paris, proporcionou no Brasil "revoluções" paralelas e outras formas de resistência à ditadura instaurada. As transgressões da juventude envolviam mudanças comportamentais como o grito das feministas contra o pudor instaurado por seus pais e a liberdade sexual proporcionada pelo aparecimento do contraceptivo. Rita Lee cantou o momento: "Toda mulher é meio Leila Diniz". Um ano depois o desejo por liberdade fundado pelo Woodstock fez com que muitos jovens sonhassem ao lado do seu violão, experimentado muitas drogas, fazendo sexo livre e ouvindo rock' roll.
A censura não cessou e chegou finalmente aos palcos. Certos diálogos em peças teatrais foram cortados e os que insistiam em alguns conteúdos acabavam sofrendo represarias. Os atores da peça Roda Viva foram alvos dessa violência em uma das apresentações. No entanto, algumas vezes esses geniais artistas conseguiam burlar a censura.
Na música de protesto também existiram mensagens nas entrelinhas. Chico Buarque fez isso em Cálice, Gil em Divino Maravilhoso, Caetano em Alegria-Alegria, Elis Regina em interpretação de O Bêbado e o Equilibrista e Geraldo Vandré em Para não dizer que não falei de flores, considerado o hino contra a ditadura militar.
Nas universidades as aulas eram vigiadas. Professores sofreram aposentadorias compulsórias, alunos desapareciam e os informantes ameaçavam e entregavam qualquer pessoa que fizesse um comentário a favor da esquerda ou tivesse de posse de alguma "literatura subversiva".
De 1968 em diante foi o período que mais civis desapareceram. O filho de Zuzu Angel foi barbaramente torturado e morto nos porões da ditadura. O estudante Edson Luís morreu nas mãos de policiais militares em um dos protestos. O cearense Frei Tito foi mais uma vítima, cometendo o suicídio após ter o seu corpo e espírito agredidos. Segundo relatos dos sobreviventes, as marcas psicológicas nunca serão apagadas. Muitas vítimas até hoje são dadas como desaparecidas.
Todo esse cenário causou pânico na classe média e muitas pessoas foram para as ruas. No entanto, muitos voltaram aos braços de Morfeu por causa da Copa na década de 1970. Enquanto todos cantavam: "Todos juntos, vamos, pra frente Brasil, salve a seleção", Médici regojizava-se.
Finalmente o "milagre econômico" parece ter fim no governo Geisel e o colapso ocorre no governo Figueiredo. As ruas pedem "Diretas Já". Nesse momento Tancredo Neves tenta assumir o poder, mas sua saúde piora e o vice ocupa o seu lugar. José Sarney é mais uma continuidade do que uma ruptura. Não foi diferente com os governos seguintes de Fernando Collor e FHC, apesar da democracia já ter sido instaurada.
Para Ricardo Guilherme tudo começa a mudar quando o sindicalista e metalúrgico Luís Inácio da Silva, mas conhecido como Lula, assume o poder. A distribuição de renda aumentou e o país conseguiu pagar a sua dívida externa nos oito anos de mandato.
Em seguida Dilma assume e imortaliza-se como a primeira mulher presidenta do Brasil. Dilma tenta dar continuidade ao trabalho de Lula. Para o militante Ricardo Guilherme, as manifestações só ocorreram porque a população chegou a um nível de consciência maior.
O espetáculo termina com Ricardo Guilherme recitando Geraldo Vandré e em seguida chamando o público para a luta: "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer... 20:30 do dia 24 de abril de 2014, hoje é o dia de fazer uma revolução".
As minhas impressões sobre a peça foram as melhores. No entanto, a minha vivência como historiadora não me permite ser tão otimista em relação ao futuro do país. Assim como antes, a nossa classe média ainda está cheia de dúvidas (e eu estou me incluindo aqui). Sem dúvida o Brasil cresceu socialmente, mas a vozes das ruas não foram ouvidas como o desejado. Voto na esquerda desde que me entendo por gente, mas tenho todo direito de ter uma série de ressalvas quanto ao governo Lula e Dilma. A nossa presidente prometeu investir pesado na educação, mas até o momento não vejo investimentos sólidos e mudanças substanciais.
Aponto todos esses problemas governamentais, mas não vejo salvação em outros partidos. Continuo votando em Dilma, mas sei que o PT mudou ao longo do tempo para conseguir conquistar o poder e teve que fazer alianças indesejadas para continuar lá até hoje. Mudanças só acontecerão se esses mesmos manifestantes que foram as ruas acompanharem os processos políticos cotidianamente e não apenas no momento das eleições. Precisamos fazer uma reforma urgente no poder executivo, legislativo e judiciário, pois o presidente está longe de governar o país sozinho.
Penso como o historiador Edward Thompson, que analisa a história como um túnel por onde corre um trem expresso rumo a uma planície ensolarada, e no qual vivem gerações de passageiros que nascem e morrem sem ver a luz do sol. Sei que estou no meio da estrada e não vou ter acesso as grandes transformações nas mentalidades do povo brasileiro, mas contento-me em fazer parte desse processo de mudanças.
Luiza Rios
Doutoranda em História pela UFPE.
Aponto todos esses problemas governamentais, mas não vejo salvação em outros partidos. Continuo votando em Dilma, mas sei que o PT mudou ao longo do tempo para conseguir conquistar o poder e teve que fazer alianças indesejadas para continuar lá até hoje. Mudanças só acontecerão se esses mesmos manifestantes que foram as ruas acompanharem os processos políticos cotidianamente e não apenas no momento das eleições. Precisamos fazer uma reforma urgente no poder executivo, legislativo e judiciário, pois o presidente está longe de governar o país sozinho.
Penso como o historiador Edward Thompson, que analisa a história como um túnel por onde corre um trem expresso rumo a uma planície ensolarada, e no qual vivem gerações de passageiros que nascem e morrem sem ver a luz do sol. Sei que estou no meio da estrada e não vou ter acesso as grandes transformações nas mentalidades do povo brasileiro, mas contento-me em fazer parte desse processo de mudanças.
Luiza Rios
Doutoranda em História pela UFPE.