domingo, 16 de dezembro de 2012

A OBRA LITERÁRIA PAIS E FILHOS E O NASCIMENTO DO NIILISMO


O olhar depositado nessa obra é de uma historiadora, e por esse motivo é diferenciado de uma crítica literária. O escritor russo Turguêniev começou a escrever Pais e Filhos no ano de 1860 e a terminou no ano de 1862. Nesse período, a maior porcentagem da sociedade russa vivia no campo, em um regime com grandes resquícios do feudalismo, sendo a maior parte da mão de obra camponesa. Por causa desse quadro social, ocorreram acontecimentos históricos marcantes como, por exemplo, o decreto do czar sobre o fim da servidão camponesa, uma prática semelhante a escravidão que encontrávamos em países como o Brasil. No entanto, esse mesmo czar acabou sendo morto em 1881, em um ataque violento protagonizado por organizações políticas secretas contra autoridades e instituições oficiais.

Por causa desses acontecimentos no âmbito político, Turguêniev conseguiu absolver em sua obra literária  essa nova ordem social que surgiu na Rússia. Os intelectuais da geração de 40, que eram mais apegados aos valores culturais humanistas e influenciados pelos romantismo alemão, davam espaço para a geração de 60, homens que provinham de uma camada social intermediária, que situavam-se entre a nobreza e os camponeses. Tinham como características o distanciamento dos valores dos homens da década de 40, valorizado a ciência acima de tudo.

Bazárov é o representante do niilista, o novo homem da década de 60. Esse termo niilismo passou a ser relacionado aos indivíduos que não se inclinavam a nenhuma autoridade e não aceitavam os princípios sem exame. Por esse motivo, eram vistos pela sociedade como pessoas rebeldes, seres materialistas que negavam o amor, a arte, a religião e a tradição.  

No entanto, Turguêniev mostra a partir do personagem de Bazárov que o esteriótipo do niilista ia além desses juízos de valores. Bazárov era um estudante de medicina que dizia acreditar apenas em verdades cientificamente comprovadas pela experiência, sendo sempre contra aos valores aristocratas, que eram representados pelo tio do seu melhor amigo, Arkádi. Como qualquer outro niilista, negava o amor, a arte, a religião e, sobretudo, a tradição, mas as suas ações mostravam como ele era um homem contraditório. Bazárov estava sempre em uma luta interna, pois alguns valores estavam encrustados em seu âmago.

Em toda a narrativa o leitor apresenta sentimentos dúbios sobre a figura de Bazárov. Num primeiro momento ele apresenta-se como um indivíduo desapegado dos valores conservadores, contra a hipocrisia social estabelecida pela tradição, mas em um outro momento ele recaí no machismo e no vazio. Talvez por isso Turguêniev teve sua obra mergulhada em profundas críticas após o lançamento. A geração que se via na figura de Bazárov, sentia-se extremamente humilhada e caluniada, enquanto a antiga geração regojizava-se por conta desses acontecimentos. Dostoiévski foi um dos únicos escritores renomados desse período que elogiou a obra de Turguêniev. 

O olhar debruçado para essa obra é sempre válido, pois ela nunca se tornará antiquada. As questões suscitadas nesse livro estão sempre presentes nos dilemas de qualquer sociedade. O distanciamento que ocorre da geração do pai para a do filho é um oceano muitas vezes intransponível. Nikolai Petróvitch vislumbra esse mal estar, quando recebe seu filho Arkádi de uma longa viagem. Eles parecem dois estranhos e isso não se modifica ao longo da narrativa porque suas ideias são bastante distintas.