Errata: A "granfinagem"
e o "canelau" é da historiadora Luiza Rios e não Luiza Reis como
apontado na matéria do Jornal O Povo do dia 11/02/2014.
CARNAVAL. HISTÓRIA 11/02/2014
A 'granfinagem"
e o "canelau"
Em artigo, a
historiadora Luiza Reis revisita as diferentes fases do Carnaval em Fortaleza, cidade
desde sempre marcada pela desigualdade - que também se manifesta na folia.
Cortejo de Maracatu em Fortaleza: O que hoje é símbolo do carnaval de Fortaleza, foi considerado algo "grotesco" no passado.
Os
velhos carnavais fortalezenses tiveram origem em meados do século XIX a partir
do Entrudo de origem portuguesa. Os brincantes atacavam com laranjinhas de
borracha, cera com água de cheiro, farinha de trigo, pós de sapato, etc. João
Nogueira escreveu em seu livro de memórias sobre essa prática carnavalesca,
apontando-a como grosseira e de mau gosto.
O uso
de máscaras era um elemento constante no Entrudo cearense. Os Papangus,
vestidos de camisolões ou dominós, davam o tom dos festejos que precediam a
Quaresma. Eles saiam pelas ruas em grupos perguntando: “Você me conhece?”. No
final do século XIX apareceram os bailes das Sociedades Carnavalescas. João
Brígido aponta que o primeiro deles foi o Cavaleiros do Prazer, surgida em 1882.
Outras
Sociedades também apareceram nesse período: Dragões de Averno, Cavaleiros da
Época, Legião dos Únicos e Conspiradores Infernais. Eles brincavam em clubes
como o Iracema e o Cearense. Essas Sociedades eram marcadas pela disputa gerada
no ápice da ostentação da elite.
No
período do carnaval, as distinções sociais diminuíam, mas ainda assim existem
relatos de segmentação de grupos nas ruas. Edigar de Alencar, por exemplo,
indica as disposições das classes sociais na curtição da festa. Enquanto que a
“arraia miúda”, o “canelau” se divertia bem mais folgadamente, nas alas
externas, principalmente na da Rua Major Facundo, a “granfinagem” se comprimia
no aperto do jardim central.
Ao
contrário que era anunciado em narrativas do período, eram raras as brigas e
confusões surgidas quase sempre não no local das classes menos favorecidas, mas
no centro da folia, onde se divertiam a classe média e a “mais requintada”.
Maracatu
Outra
prática que aparece no período do carnaval como forma de resistência negra e
que perdura até os dias de hoje é o maracatu. Essa manifestação popular,
proveniente dos escravos bantos, foi muito criticada nos veículos de
comunicação da época, chamadas de “grotesco” e “apavoradores”.
No
entanto, as pessoas não deixavam de participar dos cortejos ao som de múltiplos
instrumentos como surdos, bumbos, ganzás e maracás. O maracatu causava
sentimentos dúbios entre os participantes no período do carnaval, pois a mesma
música que causava alegria aos brincantes era motivo de alerta para as crianças
medrosas. O escritor Gustavo Barroso, por exemplo, em seus tempos de menino,
quando encontrava os cortejos ao som dos batuques e maracás, corria para se
esconder até não ouvir mais o som.
No
período do carnaval os moradores das zonas periféricas também faziam os sambas
de areia. De acordo com Câmara Cascudo, samba é um nome angolano e teve sua
ampliação e vulgarização no Brasil, representando um baile popular de caráter
urbano ou rural. No Ceará, o termo samba não se restringia a um gênero musical,
mas também à farra ou coletivo de musicalidades nordestinas.
Além
disso, teria origem em antigos batuques ou danças de roda, com um solista no
meio, incluindo-se aí a umbigada, ou seja, a batida com o umbigo nas danças de
roda, como um convite intimatório para substituir o dançarino solista.
Marchinhas
No
início do século XX surgem as marchinhas carnavalescas com influência do
foxtrot americano. Silva Novo e Pierre Luz fizeram inúmeras parcerias, compondo
para o carnaval do Clube Iracema do ano de 1925 “A Gargalhada”, marchinha com
letra irreverente: “Viva a folia/ Ave alegria/ Salve o prazer/ Que nos vem da
gargalhada/Ou de um sorriso de mulher!/ Cante... Dance.../ Mulher faceira/ A
existência é passageira/Haja aventura/ Riso e loucura!/ No carnaval/ (...) Toda
cearense/Domina e vence/Pelo sorriso/Que nos traz ao pensamento/Evocações do
paraíso.”
No
carnaval dos anos 40 surgiu o cordão das “coca-colas”. Segundo Marciano Lopes,
ele foi criado logo após a guerra por um grupo de Sargentos da Aeronáutica,
como uma brincadeira em cima das moças que namoravam os soldados americanos.
Essas moças eram alvos de críticas das famílias mais conservadoras, pois não se
fechavam nos preceitos da moral e dos bons costumes propagados no período.
De lá
pra cá as festas foram sendo modificadas, surgiram outras brincadeiras e os
velhos carnavais ficaram apenas na memória dos habitantes mais antigos de
Fortaleza.
Luiza
Reis é doutoranda em História pela Universidade Federal de Pernambuco