domingo, 15 de fevereiro de 2015


AS MARCHINHAS CARNAVALESCAS E AS MUNDAÇAS NA SOCIEDADE CEARENSE NOS ANOS 40 A PARTIR DAS INFLUÊNCIAS DA CULTURA NORTE-AMERICANA.

 

Os nostálgicos carnavais de Fortaleza dos anos 30, 40 e 50, ficaram apenas nas lembranças dos mais velhos e nas amareladas folhas de partituras das músicas que tocavam naquele período. Alguns desses brincantes saudosos ainda recordam das marchinhas carnavalescas que davam o ritmo da folia. No entanto, essa música aparentemente ingênua e feita com o intuito de entreter, expressa muito sobre a sociedade cearense daquela época.  

Nos velhos carnavais de Fortaleza, compositores e poetas uniam-se na criação das marchinhas que davam o tom a festa. Lauro Maia foi o compositor cearense mais conhecido por ter os seus sucessos tocados por grupos famosos como Os Vocalistas Tropicais e o Quatro Azes e um Coringa, mas o maestro Silva Novo, Pierre Luz, Donizetti Gondim, Edigar de Alencar, Waldemar Gomes e Luiz Assunção, também foram responsáveis pela elaboração de grandes sucessos carnavalescos.

O que chama a atenção nessas marchinhas carnavalescas é a tentativa de junção das influências norte-americanas através do uso do fox-trot e de algumas letras em inglês, com o jeito “Ceará Moleque”, incorporando um estilo sátiro e jocoso que tomou forma com boêmios ilustres, como Ramos Cotôco e Quintino Cunha. Uma das marchinhas mais emblemáticas foi criada pelo Maestro Silva Novo e Pierre Luz. A gargalhada era o símbolo da libertação feminina dos costumes impostos por uma sociedade que ainda almejava “civilizar” os demais a partir das influências culturais francesas.

A gargalhada

Viva a folia/Ave alegria/Salve o prazer/Que nos vem da gargalhada/Ou de um sorriso de mulher!/Cante... Dance.../Mulher faceira/A existência é passageira/Haja aventura/Riso e loucura!/No carnaval/Afoguemos nossas mágoas/E esqueçam todo o sal/Cante... Dance.../A colombina/Meiga e danadinha/Traz o poema/De teus olhos sonhadores/Alegria do “Iracema”/Cante... Dance.../Toda cearense/Domina e vence/Pelo sorriso/Que nos traz ao pensamento/Evocações do paraíso!

O interesse pela cultura norte-americana nasce nos cearenses após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando “Fortaleza trocou o chapéu emplumado pela cartola de Tio Sam”. Os Estados Unidos lançaram no mercado bens de consumo mais práticos, como as canetas esferográficas; e mais ousados, como as meias de nylon que deixavam as pernas das moças à mostra. Essa tendência fez emergir uma cultura cada vez menos conservadora, que exibia todo o seu charme em épocas de carnaval, tendo a figura das “Coca-colas” como grandes representantes.

O cordão das “Coca-colas” foi criado por um grupo de sargentos da Aeronáutica, como uma brincadeira em cima das moças que namoravam os soldados americanos. Essas mulheres eram criticadas por famílias conservadoras por não aceitarem certas imposições sociais. Rotuladas na época como “mulheres fáceis”, hoje são símbolos do processo que ocorreu da igualdade entre os gêneros.  

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

BIRDMAN - A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA

BIRDMAN: O CULTO À IMAGEM EM DETRIMETO DO CONTEÚDO.
 

 

Birdman não é um filme fácil, podendo desagradar até mesmo experientes apreciadores da sétima arte. Tive que assistir duas vezes para filtrar a essência da narrativa de Iñárritu, pois é comum nesse tipo de trama confundir os diálogos dos personagens sobre solidão, facebook e decadência, com a história que o diretor quer extrair deles.

Na primeira vez que assisti o filme, achei o roteiro bastante sacal e datado, apesar de ter percebido a excelência técnica da obra. A montagem de Birdman passou por um crivo em sua estrutura, a sequência de planos deu a sensação da inexistência de corte, a fotografia é criativa e sombria como toda a visão escatológica de mundo de Iñarritu e a trilha sonora trouxe aspectos inovadores, com solos de bateria que causam angustia e ansiedade no expectador.

Mas o que me fez assistir Birdman novamente foi a inquietação que ele me causou por uma semana. Isso não é muito comum de acontecer comigo, pois as vezes vou dormir e logo pela manhã do dia seguinte o filme já saiu da minha cabeça.

Na segunda experiência que tive com o longa, pude perceber que Birdman não trata apenas da vida de um ator falido que tenta sair da sombra do personagem de super-herói que o imortalizou na cultura pop americana na década de 90, o roteiro também discorre sobre os dilemas da arte e do homem no século XXI. Um dos diálogos que sintetiza essa questão é o de Riggan, com umas das maiores críticas de Nova York. Ela comenta que vai acabar com qualquer tentativa de retorno do ator por simplesmente odiar o que ele representa. Na visão da crítica nova-iorquina, Riggan precisava entender a diferença de uma celebridade para um verdadeiro ator.

No final ela acaba se surpreendendo com o resultado da peça e publica uma crítica sobre a inesperada virtude da ignorância. No entanto, tudo o que ela falou na cena do bar para Riggan faz sentido. Qual o lugar da arte na era das redes sociais? Que impacto a imagem produz no expectador ao ponto do conteúdo não ter mais tanta importância como anteriormente? Como chegar em um equilíbrio na relação do discurso e da imagem?



Apenas criticar os jovens pela sua relação quase mística com as redes sociais não vai trazer um resultado positivo para essa discussão. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, trata sobre a questão da supervalorização da imagem na pós-modernidade, mas infelizmente não encontramos muitos outros teóricos que dissertam sobre o desespero do homem pós-moderno por curtidas no twitter, por um número cada vez maior de amizades no facebook que se limita ao espaço virtual e por tratar o youtube como uma experiência megalomaníaca de exposição da vida.

Em um dos diálogos de Sam com o pai, a garota que acabou de sair da reabilitação e anseia por atenção familiar, discute com o seu pai sobre as contradições do "eterno homem-pássaro", que deseja a exposição e o reconhecimento dos jovens, mas ao mesmo tempo se acha superior por desprezar a forma como os mesmos lidam com a arte no século XXI.

Mas será que essa forma de arte que valoriza o apelo da imagem é tão nova assim? Esse burburinho em torno de filmes comercias que contam histórias repetidas sobre super-heróis é muito antigo. Os filmes do gênero em questão vão apenas reciclando os atores e a abordagem de acordo com o passar das gerações. Não é à toa que o próprio Michael Keaton foi escolhido a dedo por ter interpretado o Batman em uma franquia dos anos 90.

Dessa forma, não espere ser fisgado pelo filme a partir dos seus diálogos, pois eles são intencionalmente vazios e datados na tentativa de mostrar a decadência do cinema hollywoodiano por conta da falência da indústria. Por trás de todo o glamour do tapete vermelho, escondem-se atores megalomaníacos embriagados pela fama, transformados em seus personagens favoritos para sobreviverem ao tédio do cotidiano. Dificilmente fazem uma leitura mais aprofundada de um grande clássico, pois estão muito ocupados tratando das rugas no cirurgião plástico.